O PODER DA CLASSE D capítulo cinco
MODELOS DO
EU
MODELOS DE REALIZAÇÃO
PESSOAL
- Foram entregues aos entrevistados cerca de
80 fotos representando vários tipos de pessoas e estilos de vida.
- As fotos escolhidas como figurações de
felicidade e realização pessoal desvelam características diferenciais
importantes nos imaginários masculino e feminino.
PARA AS MULHERES :
- O modelo de realização gira,
principalmente, em torno do Ser. A
maternidade é o grande motor da felicidade feminina,
tipificada pelo poder ser mãe (a foto da mulher
grávida), de nutrir e proteger os filhos (fotos de mães e filhos). A
capacidade de fecundar é um poder absolutamente democrático, acessível a
ricos e pobres, "isso ninguém tira de mim".
- As entrevistadas mais jovens elegem, ao
lado da imagem da maternidade, a figuração da mulher-liberdade,
independente, em contato íntimo com a natureza.
MODELOS DE REALIZAÇÃO
PESSOAL
PARA OS HOMENS:
- A figuração da felicidade gira,
principalmente, em torno do Fazer e as operações
criativas que giram em torno dele:
- O estudo, para os mais jovens (simbolizado
pelo livro).
- A musicalidade, como espaço da
criatividade (simbolizada pelo violoncelo).
- A independência (simbolizada pela moto
capacidade de locomoção).
- Secundariamente, a relação (de proteção)
pai/filho aparece como uma realização.
O VALOR DA CORAGEM
Indagados sobre pessoas que admiram (das
próprias relações ou uma celebridade), os consumidores emergentes
privilegiam pessoas de coragem, capazes de superar obstáculos, tipicamente
representadas por:
- A mãe pobre, que criou sozinha os filhos; a
figura do pai não tem uma presença tão constante e forte no segmento de
classe mais baixa.
Vejamos:
A MÃE-CORAGEM (E
BATALHADORA)
- Minha mãe criou 9 filhos sozinha, meu
pai faleceu e ela ficou sozinha. A coragem dela,
coitada, sozinha, grávida de 7 meses, e foi lutar para criar todos
nós que ainda éramos pequenos. Eu admiro muito minha mãe.
- Ela me teve com muita
luta, mas não me abandonou para outra família. Para me
criar, para eu chegar onde eu cheguei, nos 18 anos de solteira
nunca trabalhei, ela nunca deixou.
- Minha mãe nos ensinou tanto na vida,
hoje eu sou assim graças a ela, cuidar de uma casa,
batalhar para que os filhos fossem o que são
hoje. Minha mãe foi o homem da casa. Eu me identifico muito com
ela.
|
- Minha mãe, que já faleceu. Ela
batalhou muito. Cuidou sozinha da casa e de mim.
- Minha mãe, ela sempre foi muito
batalhadora. A minha mãe enfrentou uma barra
terrível com meu pai, ele foi um alcoólotra muito tempo, chegava
atrapalhado em casa.
- Minha mãe, ela nunca estudou, nasceu
e se criou na roça, meus pais se separaram eu tinha 5 anos e ela
batalhou muito sozinha para criar 5 filhos
sozinha, nunca foi correr atrás do meu pai "você tem que dar
pensão". Ela criou sozinha, era uma pessoa que tinha muita garra,
ela não teve cultura nenhuma.
|
O HOMEM-CORAGEM (VENCEDOR):
SENNA
- Era uma pessoa corajosa, ele podia sair
em terceiro lugar, no final chegava na frente, eu mesmo não teria essa
coragem.
- A coragem que ele tinha, de ficar
correndo lá naquelas pistas, sabendo que era perigoso. Pela força de
vontade de lutar pelo Brasil, ele corria lá era para quê? Era para lutar
pela pátria dele.
- Era uma pessoa com determinação, tinha
vontade de vencer e venceu. Eu admirava o Senna pela vontade de
vencer.
MÁXIMAS DE VIDA
30 ditados populares foram submetidos à
apreciação dos entrevistados. De maneira geral, as classes mais baixas
tendem a concordar mais com a filosofia contida nos ditados do que as
classes mais altas. Isto pode ser explicado por serem ditados populares,
que refletem de maneira mais adequada a própria lógica de vida das classes
populares.
Já a classe A/B, com mais acesso às
informações em geral, é mais questionadora e tem mais flexibilidade na
adoção de diferentes estilos de pensamento.
Os provérbios mais escolhidos pelos
consumidores emergentes revelam, primeiro que tudo, que a sua filosofia de
vida e seus modelos de felicidade parecem marcados por dois parâmetros
básicos:
- A noção de
limite
- A esperança de dias
melhores |
MÁXIMAS DE VIDA
Vejamos:
Na sua visão de mundo (e de seu lugar no
mundo), o consumidor emergente tem com clareza a noção dos limites
entre o possível e o sonhado. Isto gera uma percepção marcada
pela contradição, já que ele se identifica simultaneamente:
- Com ditados que implicam na aceitação
dos limites impostos pela condição financeira e no endosso aos
freios da ambição ("Não se pode ir com muita sede ao pote que ele
arrebenta", "nem só de pão vive o homem", "quem tudo quer, nada
tem").
- Com ditados que são uma porta para a
esperança de dias melhores (muitas vezes através
das mãos de Deus que "escreve certo por linhas
tortas"). |
MÁXIMAS DE VIDA - ANÁLISE
FATORIAL
- Os ditados populares foram submetidos a uma
análise fatorial, procurando identificar como essas frases se agrupam
entre si para produzirem conjuntos, sinalizando posturas diante da vida.
Por trás das 30 frases testadas, existem 4 fatores básicos:
- FATOR 1 - "Deus escreve certo por linhas
tortas".
Esse fator é representado por uma
postura de vida muito característica das classes mais baixas: "para
vencer na vida, é preciso se esforçar bastante e fazer por merecer
uma ajuda do destino". O apego a esta filosofia é mais típico na
classe D e menos típico nas classes altas
(A/B).
|
A/B % |
C % |
D % |
O futuro a Deus
pertence |
73 |
83 |
96 |
Não deixes para amannã o que
podes fazer hoje |
74 |
87 |
93 |
Faça o bem sem olhar a
quem |
66 |
81 |
88 |
Dinheiro compra pão, mas não
compra felicidade |
67 |
84 |
83 |
Deus escreve certo por
linhas tortas |
81 |
90 |
82 |
Quem dá aos pobres empresta
a Deus |
47 |
70 |
80 |
Quem tudo quer, nada
tem |
61 |
76 |
79 |
Diga com quem andas que eu
te direi quem és |
51 |
61 |
65 |
O sol nasceu pra todos, a
lua pra quem merece |
31 |
42 |
52 |
- FATOR 2 - "Quem tem boca vai a
Roma".
Este fator põe em destaque a perseverança
como motor da realização dos desejos pessoais. Esta postura de vida
tende a ser comum a todas as classes
sociais.
|
A/B % |
C % |
D % |
Quem não deve não
teme |
94 |
93 |
94 |
Quem tem boca vai a
Roma |
87 |
88 |
88 |
Mais vale um pássaro na mão
do que dois voando |
77 |
84 |
88 |
Quem não arrisca não
petisca |
79 |
84 |
80 |
Água mole em pedra dura,
tanto bate até que fura |
68 |
75 |
71 |
Quem não tem cão caça com
gato |
54 |
66 |
63 |
MÁXIMAS DE VIDA - ANÁLISE
FATORIAL
- FATOR 3 - "Um dia é da caça, outro do
caçador".
Este fator agrupa posturas de vida de uma
ética duvidosa, circunstancial, que prega que se deve devolver com a
mesma moeda aquilo que se recebeu. As classes C e D se identificam
mais com esta postura de vida do que a classe
A/B.
|
A/B % |
C % |
D % |
Um dia é da caça, outro do
caçador |
73 |
84 |
84 |
Vergonha é roubar e não
poder carregar |
44 |
62 |
60 |
Olho por olho, dente por
dente |
35 |
40 |
59 |
Homem sem dinheiro é como
passarinho sem asas |
43 |
61 |
55 |
Ladrão que rouba ladrão tem
cem anos de perdão |
17 |
23 |
32 |
- FATOR 4 - "Não se pode ir com muita sede
ao pote que ele arrebenta".
Este fator sinaliza que "a pressa é
inimiga da perfeição". Tudo acontece no seu devido tempo e no seu
devido lugar. Para a classe D, estas frases refletem também a idéia de
que é preciso se conformar com o que se tem e não almejar algo que
esteja muito fora do alcance. Não se notam diferenças significativas
entre as classes sociais sob a ótica deste
fator.
|
A/B % |
C % |
D % |
Nada como um dia após o
outro |
85 |
90 |
87 |
Nem só de pão vive o
homem |
69 |
75 |
85 |
Devagar se vai ao
longe |
79 |
79 |
85 |
Não se pode ir com muita
sede ao pote que ele arrebenta |
78 |
83 |
78 |
Quem quer vai, quem não quer
manda |
38 |
54 |
59 |
VALORES QUE PRETENDEM PASSAR PARA OS
FILHOS
- As 3 classes sociais não diferem muito
quando destacam os valores que gostariam de ver perpetuados nos seus
filhos: honestidade, respeito, responsabilidade, ajudar a quem precisa,
coragem, lealdade, esforço, etc.
- O otimismo e a persistência são valores com
maior presença nas classes A/B, enquanto que a religiosidade tem um
destaque maior na classe D.
|
TOTAL % |
A/B % |
C % |
D % |
Honestidade |
88 |
92 |
87 |
85 |
Respeito |
87 |
91 |
84 |
88 |
Responsabilidade |
88 |
93 |
87 |
86 |
Ajudar a quem
precisa |
86 |
92 |
83 |
82 |
Coragem |
66 |
71 |
58 |
72 |
Lealdade |
62 |
57 |
64 |
66 |
Esforço |
59 |
60 |
57 |
59 |
Otimismo |
50 |
59 |
47 |
44 |
Solidariedade |
48 |
52 |
45 |
46 |
Aproveitar as oportunidades
que aparecem |
47 |
51 |
46 |
45 |
Saber correr atrás das
chances |
45 |
47 |
42 |
47 |
Religião |
40 |
38 |
35 |
50 |
Persistência |
41 |
53 |
39 |
29 |
Esperteza |
37 |
38 |
34 |
40 |
Patriotismo |
16 |
19 |
12 |
17 |
FORMAS DE INTERAÇÃO COM A
PROPAGANDA E COM A MÍDIA
RECEPTIVIDADE DIFERENCIAL ÀS
MÍDIAS
- Alta proximidade ao rádio,
um bom companheiro nas horas de solidão.
- Distanciamento das
revistas: talvez por custar dinheiro, é uma mídia
distante até psicologicamente. "Falta hábito", diz uma entrevistada,
restringindo-se a sua leitura a empréstimos da vizinha ou a leituras em
sala de espera de médico, dentista e cabeleireiro. Para as mulheres, a
revista é um complemento da televisão, um lugar privilegiado de saber as
fofocas sobre artistas e novelas. Destaque-se o claro posicionamento de
Veja perante o segmento, apesar do baixo índice de leitura: é uma
revista completa, que mostra tudo o que aconteceu e, nesse sentido, "é
como se fosse um jornal, está sempre ali para ver o que está acontecendo
no mundo, pronta para mostrar uma realidade que os noticiários de TV às
vezes escondem". Entre as mulheres, a imagem de uma revista que fala
demais de política pode se constituir um fator de afastamento de Veja.
- Os programas de televisão
preferidos permitem diferenciar dois perfis de expectadores: o
time da novela/filme e dos programas de auditório e o time dos
noticiários/programas especiais como Globo Repórter, Fantástico e Jô
Soares. Essa contraposição desvela a crescente importância da televisão
como fonte de informação. Além de transportar para o mundo da fantasia
(filmes, novelas), a televisão cada vez mais insere o expectador no
mundo da realidade, transformando-o numa testemunha ocular da própria
história. O que é particularmente importante para quem se ressente de
seu confinamento ao mundo da casa, até por falta de dinheiro para ter um
lazer externo.
PROPAGANDA
As zonas de encontro da propaganda com o
consumidor emergente parecem ser, sobretudo,:
- A zona da sensação: provar sensorialmente
mais do que dizer (a palavra encenada), lembrando-se que para esse
consumidor há uma distância muito grande entre a concretude das coisas e o
vazio das palavras.
- A zona do viver como um fazer, onde a
criatividade é o artíficio que harmoniza a democracia dos bolsos com a
aristocracia dos gostos. D.W. Winnicott define criatividade como "um
colorido de toda a atitude com relação à realidade externa". Segundo ele,
é através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o
indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida.
- A zona do sonho (em seus limites bem
definidos com a realidade) em vez da zona da fantasia (e sua falta de
limites com a realidade).
Trabalho idealizado
pelo Departamento de Pesquisa da Almap/BBDO e realizado nos meses de maio,
junho, julho e agosto de 1996, tendo como parceiros:
Lea Maria Chagas Cruz
(analista da fase qualitativa) AdHoc (campo e processamento da fase
quantitativa) DataFolha (campo e processamento de algumas
perguntas)
Colaboradoras: Mariângela
Silva, Faty Garcia e Fernanda Ferraz
adaptação para a WWW:
René de Paula Jr
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|| |